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sábado, 25 de julho de 2020

Boas-vindas

Olá, alunos, ex-alunos e leitores em geral!

Este blog foi projetado com muito carinho para vocês! A ideia é compartilharmos assuntos sobre estas disciplinas tão queridas e que estão intimamente ligadas: Ciências e História. Afinal, a ciência evolui no tempo e o contexto histórico é fundamental para compreendermos a realidade.

Listamos abaixo os temas tratados no nosso blog. Para você ler sobre o assunto basta clicar no título. Boa leitura.

As doenças na história (A peste negra)

A gripe espanhola


Os vírus

Pedimos aos leitores que comentem nossas publicações fazendo as críticas, ressalvas, elogios ou sugestões. Abaixo de cada texto, há um local para os comentários.

Sintam-se à vontade para sugerir assuntos e discussões! A construção coletiva é sempre mais legal!


Um grande abraço!













Por que a gripe espanhola matou tantos jovens?


Herbert Timóteo

Uma questão que intriga os pesquisadores daquela que foi a maior pandemia do século XX, a gripe espanhola, é por qual motivo ela matou tantos jovens adultos, já que uma parcela significativa das vítimas fatais tinha entre 18 e 40 anos de idade. Por que pessoas, no auge da força física e, teoricamente, em condições de resistir mais à doença, foram as maiores vítimas dessa terrível doença? Há algumas explicações e é disso que trata esse artigo.

No texto publicado neste blog, “A grande gripe”, justificamos que a mortalidade de jovens se relacionou com um processo de flexibilização dos contratos de trabalho, o que colocou muitos homens, na faixa etária dos 20 aos 30 anos, demitidos dos seus empregos, nas ruas, em busca de trabalho. Isso criou uma exposição maior desse grupo de pessoas ao vírus, o que explica, em parte, e em especial no caso brasileiro, esse fenômeno. Mas, e no restante do mundo, por que isso se repetiu? Por que a mortalidade de jovens foi tão grande? 

Sabemos que o mundo ainda estava em guerra quando a pandemia estourou. A gripe atingiu em cheio os soldados, principalmente por ocuparem alojamentos muito cheios e às vezes por compartilharem o mesmo leito, em sistema de revezamento. Quando chegava alguém com o vírus rapidamente a doença se espalhava por todo o pelotão. Isso explica a mortalidade em massa de jovens. Mas, ainda não é tudo. Uma característica do vírus influenza associada a uma reação exagerada dos sistemas de defesa dos organismos dos jovens foi determinante para que essa doença matasse tantas pessoas com toda a vida pela frente. O artigo “Enigmas das pandemias” (Revista Piauí, nº 164, maio/2020) traz a seguinte informação: “O vírus causava uma infecção grave. E o organismo reagia de forma muito agressiva. A própria reação do organismo acabava matando a pessoa. E isso ocorria sobretudo em adultos jovens. Crianças e idosos não conseguem montar essa resposta tão agressiva.” Por que isso acontecia? A resposta para essa inquietante questão talvez esteja na característica desse vírus.

O vírus influenza é um vírus do tipo H1N1. Uma das características desse vírus e que o torna extremamente perigoso é o fato de ele se transformar. Ele sofre mutações e, ao se encontrar com outro vírus, pode recombinar as proteínas e dar origem a um novo vírus desconhecido pelo nosso organismo. Isso provavelmente ocorreu em 1918 e, como não havia antibióticos e antivirais a gripe fez o estrago que fez.

As informações que serão dadas sobre a forma como o vírus influenza, causador da gripe espanhola, provocou tão grande impacto nos organismos foram, em grande parte, retiradas do fabuloso livro: A grande gripe: a história da gripe espanhola, a pandemia mais mortal de todos os tempos, do historiador John M. Barry, Rio de Janeiro, Intrínseca, 2020. O autor, que faz um relato detalhado de como as defesas do organismo se preparam para o ataque de um invasor, descreve a intensa guerra travada entre o vírus de 1918 e o sistema imunológico humano.

No início, o vírus costuma se prender às células epiteliais que revestem todo o trato respiratório como forma de escapar aos ataques dos anticorpos e chegar aos pulmões. O vírus se prende de uma forma tão eficiente à célula que em pouco tempo a infecção se estabelece. Em geral, cerca de dez horas depois, as células infectadas estouram e liberam de mil a dez mil vírus capazes de infectar outras células. Ao atacar diretamente o sistema imunológico, o vírus inibe a liberação de interferon, que é a primeira linha de defesa do organismo. Ao serem atacados, os glóbulos brancos do sistema imunológico provocam uma inflamação e liberam uma proteína chamada citocina. As citocinas são responsáveis, entre outras coisas, por elevar a temperatura do corpo (febre) como forma de combate ao vírus. No caso da gripe espanhola, a febre podia chegar a 39,5 graus centígrados. Mas as citocinas também trazem efeitos tóxicos, como as dores de cabeça e dores no corpo e provocam uma guerra, uma vez que os glóbulos brancos seguem o vírus até os pulmões e usam todas as suas armas. O autor descreve a batalha como uma “tempestade de citocinas”, um ataque em que todas as armas são usadas. O grande problema é que essa batalha se dá nos pulmões e não há como não ferir o próprio território, com a lesão permanente de células, aniquilação de vasos capilares e a produção, pelo próprio corpo, de tecido fibroso causando a falta de ar. O vírus foi tão eficiente em invadir o pulmão que a resposta dada pelos organismos, sobretudo dos jovens, provocou o colapso do próprio sistema respiratório das vítimas.

Essa pandemia (gripe espanhola) ainda é muito estudada no mundo inteiro. Cientistas procuram descobrir o código genético desse vírus, fazendo buscas em corpos congelados na Noruega. Existe muita coisa a ser desvendada e, certamente, ainda iremos ouvir falar dela durante muito tempo, porque, de acordo com a reportagem da Revista Piauí “respostas absolutas e definitivas são algo um pouco acima do que se espera para ciências não exatas. Essas são as melhores respostas, por enquanto”.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Gripe espanhola

A grande gripe de 1918


Nathália Sampaio
Herbert Timóteo


De tempos em tempos, a humanidade é desafiada a lidar com alguma situação cujo controle lhe escapa. Uma catástrofe se abateu sobre o mundo no ano de 1918. A gripe espanhola, que de espanhola não tinha nada, foi a grande pandemia que se abateu sobre o mundo no século XX e, em muitos aspectos se assemelha à atual Covid-19. Essa pandemia teve início no ano de 1918 e ocorreu em três ondas, no período de um ano e meio. Convidamos nosso leitor a acompanhar a história daquela que ficou conhecida como a grande gripe e perceber que muitos erros do passado ainda se repetem na atualidade.

A doença não surgiu na Espanha, apesar de ter recebido o nome de “gripe espanhola”. Como o pico da contaminação ocorreu durante a 1ª Guerra Mundial, os países envolvidos censuravam notícias sobre o número de mortos, para evitar pânico entre as tropas e consequente diminuição de seu poder ofensivo. Uma vez que a Espanha não participou da guerra, mantendo-se neutra no conflito, os jornais do país tinham liberdade para publicar sobre a epidemia. Com a divulgação de um número alto de casos na Espanha, logo o país passou a impressão ao mundo de que lá teve origem a doença, daí o nome “gripe espanhola”.

Entre os anos de 1918 e 1919, o vírus matou mais de 50 milhões de pessoas no mundo, atingindo todas as camadas sociais. Vitimou o presidente eleito do Brasil na época (Rodrigues Alves), o poeta Olavo Bilac e até o avô do presidente norte-americano Donald Trump. O deslocamento das tropas durante a Primeira Guerra ajudou a disseminar a doença. Entretanto, os navios de mercadorias e dos correios fizeram com que o vírus chegasse a quase todos os lugares do mundo. As cidades litorâneas foram as que apresentaram maior número de mortos.

A origem não é totalmente conhecida, mas os primeiros casos divulgados foram em militares americanos. No Brasil, o vírus chegou por um navio inglês Demerara, que fez várias paradas nos portos brasileiros e trazia pessoas doentes. Foram cerca de 35 mil mortos. Os recursos tecnológicos da época eram limitados: não havia microscópios apropriados para análises das amostras colhidas dos pacientes, tampouco antibióticos para as infecções secundárias. Atualmente sabe-se que a doença é causada por um vírus do tipo Influenza - semelhante ao H1N1- e que sofreu mutações, passando de aves para humanos.

A gripe foi subestimada pelos governos - inclusive o brasileiro - o que retardou o combate rápido. No início, era tida como doença de velhos, mas o maior número de vítimas foram os adultos de 20 a 30 anos, principal força de trabalho na época. Há quem diga que a flexibilização dos contratos de trabalho acarretou a demissão em massa, o que levou as pessoas para as ruas em busca de emprego, o que acelerou o contágio.



O sistema de saúde entrou em colapso rapidamente e medidas emergenciais tiveram que ser tomadas. Isolamento social, proibição de aglomerações, uso de máscaras, construção de hospitais de campanha e incentivo ao uso de veículos particulares eram prática incentivadas no mundo todo. Escolas, igrejas e repartições públicas foram fechadas e os campeonatos de futebol adiados. As famílias ricas se isolaram nas fazendas, enquanto o restante da população aglomerava-se nas cidades.

 




















O grande número de doentes e de mortos revelou que nenhum país estava preparado para epidemias desse porte. No Brasil, não havia caixões e nem coveiros suficientes para realizar os enterros. Os corpos eram deixados nas ruas e até os presidiários foram convocados para realizar os enterros. Como não havia hospitais públicos, as pessoas eram atendidas nas Instituições de Caridade, nas Santas Casas, nas unidades Cruz Vermelha e até nas delegacias. Neste contexto, os governantes perceberam a necessidade de estruturar os Sistemas de Saúde o que, no Brasil, lançou as bases para a criação do Ministério da Saúde em 1930.

As pessoas eram medicadas para o alívio dos sintomas, os quais incluíam dor de cabeça aguda, febre alta, calafrios, tosse seca, dores no corpo, diarreia e cansaço. Os casos mais graves evoluíram para falta de ar e cianose (escurecimento das extremidades). Dada a sobrecarga dos hospitais, pacientes que apresentavam os pés “escuros”, raramente eram atendidos, pois dificilmente sobreviveriam. Surgiu um boato de que hospitais serviam um chá para os doentes graves o que lhes acelerava a morte para que os leitos fossem desocupados rapidamente.







Surgiram muitos remédios “milagrosos”, os quais esgotaram-se nas farmácias, a maioria deles sem efeito algum: produtos a base de quinino, fórmulas com canela e gargarejos. A caipirinha, tradicional drinque brasileiro, teria surgido também como um remédio para o tratamento da gripe.

Tão rapidamente como surgiu e se espalhou, a gripe teve fim: cerca de 70% da população dos países atingidos teve contato com o vírus em pouco mais de um ano, o que permitiu o status de imunidade coletiva.






Assista a esse pequeno vídeo sobre a gripe espanhola











quarta-feira, 29 de abril de 2020

Os vírus

Raquel Viana Raad
Professora de Ciências
Instagram: @prof.raquelviana


Nos últimos tempos, muito se tem falado sobre os vírus, mas você sabe o que são os vírus? Qual a estrutura deles e como eles se comportam?

Os vírus são partículas acelulares, isto é, não são formados por células. Comparado com os outros seres conhecidos, os vírus são os seres menores e mais simples.  Eles têm o tamanho muito menor do que as células e não são visíveis ao microscópio ótico, mas são visíveis ao microscópio eletrônico.

Os vírus são compostos de uma cápsula de proteína, chamada de capsídeo, e de material genético, que pode ser o DNA (ácido desoxirribonucleico) ou o RNA (ácido ribonucleico). Observe essa estrutura na imagem a seguir:



  
Dependendo do tipo de vírus, o formato do capsídeo pode variar, podendo ter a forma de poliedro ou assumir a forma de bastão e outras mais complexas. Observe essa diversidade na imagem a seguir:



Alguns vírus possuem externamente uma membrana formada de lipídios (gordura) e proteínas, chamada envelope. As proteínas do envelope viral são específicas para cada tipo de vírus e determinam qual tipo de célula ele irá infectar. Essas proteínas participam do processo de infecção de uma célula. O vírus da AIDS (HIV), o vírus da gripe (Influenza) e o vírus causador da covid-19 (SARS-CoV-2), por exemplo, são vírus envelopados. Observe na imagem a seguir a estrutura de um vírus envelopado:




A infecção começa quando a proteína do envelope viral se liga a proteínas da membrana plasmática da célula hospedeira. Alguns medicamentos antivirais atuam nessas proteínas do envelope, reduzindo a capacidade do vírus de se ligarem a célula hospedeira e, assim, reduzindo a infecção.

Os vírus não possuem metabolismo próprio, diferentemente de todas as formas de vida conhecida. Isso significa que eles só se tornaram ativos quando infectam uma célula viva. Dessa forma, os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios.


terça-feira, 28 de abril de 2020

Transmissão do Coronavírus e a Globalização

Ana Letícia Timóteo
Professora de Geografia

A palavra pandemia tornou-se a mais comum para nos referirmos à situação mundial provocada pela COVID-19, doença provocada pelo Coronavírus. Esse termo é designado a doenças que se propagam em diversos países simultaneamente e apresentam rápida proliferação, ou seja, são altamente infecciosas. O Planeta Terra já viveu algumas pandemias em sua história, como a da Peste Negra, que se alastrou por três diferentes continentes: Europa, Ásia e África. Entretanto, apesar de ambas serem doenças de alto contágio e consideradas pandemias, as formas e a velocidade de contaminação constituem uma grande diferença entre elas.

A transmissão de uma doença de um país para outro acontece por meio do trânsito de pessoas, quando indivíduos contaminados viajam e entram em contato com a população do local de destino, contagiando-a com o novo vírus. Pensando nisso, a Peste Negra e a COVID-19 apresentam a mesma forma de espalhamento pelo mundo, o que as diferencia são os meios de transporte e, consequentemente, as maneiras de transitar.

Segundo dados de historiadores, a Peste Negra, por meio das viagens de navio, demorou alguns anos para passar da Ásia para a Europa. Já a COVID-19 em poucos meses já está em todos os continentes do mundo, como é possível perceber no mapa elaborado no dia 26 de abril de 2020 apresentado a seguir.

 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51718755

Para analisarmos a diferença no tempo de disseminação das duas doenças é necessário considerar o fenômeno da globalização, no qual as distâncias parecem mais curtas, os países aparentam ter fronteiras menos rígidas e os meios de transporte e comunicação estão muito mais ágeis. Assim como o pesquisador Carlos Walter Porto-Gonçalves escreveu em 2011: “É que antigamente as doenças ficavam restritas geograficamente e hoje, ao contrário, os deslocamentos mais intensos entre lugares torna o mundo mais vulnerável como um todo.” Essa vulnerabilidade mundial está cada dia mais clara após o surgimento do Coronavírus, evidenciando que a maior parte dos países não está preparada para uma doença com alto nível de contágio e que uma das estratégias mais utilizadas é, exatamente, suspender o deslocamento, tão comum em nossos dias atuais.



terça-feira, 21 de abril de 2020

As doenças na história - A Peste Negra

        Herbert Timóteo
Nathália Sampaio


Ao longo de toda a história da humanidade, desde os nossos ancestrais mais distantes, o ser humano conviveu com doenças as mais variadas, transmitidas por animais ou pelos próprios semelhantes, com as quais não havia muitos recursos para combatê-las. Se formos pensar em todo o tempo que já passou, desde que os primeiros seres humanos começaram a povoar a Terra, faz muitíssimo pouco tempo que houve descobertas importantes, como as vacinas e os remédios mais potentes, que permitiram aos médicos e cientistas combater vírus ou bactérias. Na maior parte do tempo, outras medidas foram tentadas, sendo o isolamento social uma das mais praticadas. 
       
Neste primeiro texto, iremos abordar a Peste Negra, doença que se transformou em epidemia ou em pandemia, uma vez que atingiu a Ásia, o Oriente Médio e a Europa no século XIV. Há muitas semelhanças entre a peste que abateu um quarto da população da época e a atual pandemia da Covid-19, transmitida pelo Coronavírus, assim como, obviamente, muitas diferenças. Iremos tratar, nas próximas linhas, num esforço de escrita que agrega as áreas de Ciências e História, dessas semelhanças e diferenças buscando contribuir para, à luz dessas duas áreas, compreender o momento presente.
        
Também conhecida como Peste Bubônica, a doença é causada pela bactéria Yersinia pestis e atingiu a Europa por meio de navios vindos da Ásia e que faziam as rotas comerciais desde o século XIII, principalmente a Rota da Seda. Assim como na epidemia do novo coronavírus, a principal via de acesso ao continente foi a Itália.



Inicialmente, o bacilo foi transmitido aos humanos pelas mordidas de pulgas e piolhos que parasitavam os ratos dos navios. As péssimas condições de higiene na época e as aglomerações nas cidades favoreceram a rápida disseminação. Com o tempo a peste começou a ser transmitida também pelo ar, por meio de gotículas de saliva e espirros.
         
De evolução rápida - de 6 a 8 dias -  a peste dizimou entre 75 a 200 milhões de pessoas da Europa e da Ásia no século XIV.  As principais vítimas foram as crianças e aqueles que estavam debilitados pela desnutrição ou por doenças como a tifo e a sífilis, comuns na época. 
         
Os sintomas vão desde febre alta, dores de cabeça e nas articulações, náuseas e vômitos, podendo evoluir para manchas escuras na pele (daí o nome Peste Negra) e tumores por todo o corpo - também chamados bubos (daí o nome Peste Bubônica). A taxa de mortalidade para as formas mais graves era de mais de 90 por cento. 
        
Acreditava-se que a epidemia se espalhava pelos maus odores do ar. Nesse sentido, os médicos usavam máscaras em formato de bico e com ervas aromáticas na ponta, numa tentativa - mal sucedida - de purificar o ar. Outras medidas de prevenção incluíam a quarentena obrigatória, a higiene pessoal e a incineração dos cadáveres.



Até meados do século XVII, houve mais de uma pandemia de peste no planeta e até hoje a doença existe, porém com alta taxa de cura. No Brasil, ainda há registros na região Nordeste, no Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais) e no Rio de Janeiro. Não há vacina e o tratamento é feito à base de antibióticos e requer isolamento de cerca de uma semana.
  


segunda-feira, 20 de abril de 2020

Um relato da época da Peste

Giovanni Boccaccio nasceu e morreu na Itália no século XIV e escreveu, como uma de suas principais obras, o Decameron, que é um conjunto de 100 contos tendo como pano de fundo a peste negra. Vamos apresentar abaixo um trecho do Decameron. Trata-se de uma narrativa da peste. O texto contém expressões que podem soar estranhas ao leitor da atualidade, mas não podemos esquecer que foi escrito há mais de 600 anos, entre 1348 e 1353.

”Afirmo, portanto, que tínhamos atingido já o ano bem feito da Encarnação do filho de Deus, de 1348, quando, na mui excelsa cidade de Florença, cuja beleza supera a de qualquer outra da Itália, sobreveio a mortífera pestilência. (...)

Na cidade de Florença, nenhuma prevenção foi válida nem valeu a pena qualquer providência dos homens. A praga começou a mostrar quase ao principiar a primavera do ano referido, de modo horripilante e de maneira milagrosa, os seus efeitos. (...) A entrada nela (na cidade) de qualquer enfermo foi proibida. Muitos conselhos foram divulgados para a manutenção do bom estado sanitário. (...)

A peste, em Florença, não teve o mesmo comportamento que no Oriente. Neste, quando o sangue saía pelo nariz, fosse de quem fosse, era sinal evidente de morte inevitável. Em Florença, apareciam no começo, tanto em homens como nas mulheres, ou na virilha ou na axila, algumas inchações. Algumas destas cresciam como maçãs; outras como um ovo; cresciam umas mais, outras menos; chamava-as o populacho de bubões. Dessas duas referidas partes do corpo logo o tal tumor mortal passava a repontar e a surgir por toda a parte. Em seguida, o aspecto da doença começou a alterar-se; começou a colocar manchas de cor negra ou lívidas nos enfermos. Tais manchas estavam nos braços, nas coxas e em outros lugares do corpo. Em algumas pessoas, as manchas apareciam grandes e esparsas; em outras, eram pequenas e abundantes. E do mesmo modo como, a princípio, o bubão fora e ainda era indício inevitável de morte futura, também as manchas passaram a ser mortais, depois, para os que as tinham instaladas. (...)

Esta peste foi de extrema violência; pois ela atirava-se contra os sãos, a partir dos doentes, sempre que doentes e sãos estivessem juntos. (...) Não apenas o conversar e o cuidar dos enfermos contagiavam os sãos com esta doença, por causa da morte comum, porém mesmo o ato de mexer nas roupas, ou em qualquer outra coisa que tivesse sido tocada, ou utilizada por aqueles enfermos, parecia transferir, ao que bulisse, a doença referida.”  


(Boccaccio, Giovanni. Decameron. São Paulo, Abril Cultural).